Crônicas do Cotidiano
A Mortalha
João Carlos Lopes dos Santos.
Esta crônica tem como mote uma antiga lenda que ouvi em tenra infância. Chegou-me pela tradição oral familiar e, salvo engano, veio lá das bandas do norte de Portugal, nomeadamente do entorno de Vila Real de Trás-os-Montes.
Lenda ou verdade, houve um tempo em que não se sepultavam os mortos. Há quem possa explicar de forma diferente, mas, reza a tal lenda que, quando a pessoa ficava muito doente ou velhinha, um parente a levava para uma floresta e lá a deixava enrolada num lençol de linho branco. Caso morresse nessa viagem, o corpo insepulto ficava por lá mesmo.
Se presente, ao menos, um dos sobreditos requisitos, lá ia o moribundo puxado por um cavalo, numa maca de couro cru formada por duas ripas paralelas. A latere, ia o parente a caminhar. Como o transporte não dispunha de rodas, as ripas iam marcando o caminho com dois riscos superficiais, posto que o agonizante já não vinha se deleitando com farta comida.
Chegando ao interior da floresta, o infeliz era deixado à mercê das intempéries e da voracidade dos animais que lá habitavam. Desatrelada a maca, o parente retornava rapidamente, montado no cavalo, que quase sempre pertencia ao, agora, desafortunado. Essa prática, nos impõe a lenda, perdurou por milênios.
Até que um dia, um lúcido velhinho, ao ser levado ao abandono, quando o parente já se retirava, chamou-o de volta e o aconselhou:
_ A mortalha... Não se esqueça de levá-la. É do melhor linho e haverá de durar muitos anos. Um dia, com certeza, você irá precisar dela.
A partir desse episódio, todos passaram a velar e sepultar os mortos.
A ‘Lei do Retorno’, subentendida nesta crônica, cabe em quaisquer situações das nossas vidas.
- Aos meus netos
- Imagens inéditas do céu e do inferno
- Raízes Lusitanas
- O fim de uma paixão.
- Refeições Inesquecíveis
- Ilações sobre a criação do cachorro
- O Ovo de Colombo
- Talentos incompossíveis
- As mulheres e o elixir da juventude
- A Mortalha
- Dando minhas carteiradas
- A praga dos feriados
- A morte do médico ateu.
- Quanto mais longevo, mais pobre.
- Minha Síndrome de Estocolmo.
- A inveja e o colesterol.
- Não também é resposta
- O que é talento?
- Aos desistentes, o bambu chinês
- Foco absoluto
- Saudades do futuro
- Obsolescência planejada: você sabe o que é?
- A individualidade e a Internet
- Você conhece a AMAN?
- As estratégias de meus grandes mestres
- Cuspindo na chuva
- Carcarás, tetéus, chupins e andorinhas...
- O homem do Zé Ciço
- Reengenharia, só na vida dos outros
- Parceria, em nossa opinião (uma crônica escrita a quatro mãos)
- A história do Fujão
- O avesso do óbvio (quem avisa, amigo é)
- To be or not to be, eis a questão
- Um dos muitos Severinos
- Trens, bondes e mineiros
- De pai para filho
- Minhas experiências como "terrorista"
- A camisa abençoada
- Barulho, mas que barulho!
- Gastando o meu Latim
- As mulheres das décadas de 1950/60
- Os cinemas de minha infância
Telefones e outras informações- clique aqui