Crônicas do Cotidiano

A inveja e o colesterol.

João Carlos Lopes dos Santos.



Tal qual nos moldes do colesterol e suas siglas, cujos significados a gente nunca sabe ao certo, existem a inveja total, a boa e a ruim. Para que também eu saia da escuridão, embora nada entenda do riscado, grosso modo, LDL é o colesterol ruim, já o HDL é o colesterol bom. Quais as funções do colesterol e dessas siglas no nosso organismo? Como só deito falação sobre aquilo que entendo, plagiarei a veiculação de publicidade de remédios na mídia: em caso de dúvida a respeito, consulte o seu médico...

Daí, concluo que a inveja boa não fará mal a ninguém. A inveja ruim seria aquela que provoca o quebranto – dicionário Aurélio: resultado mórbido que, segundo a superstição popular, o mau-olhado de certas pessoas produz em outras. Decerto, a inveja ruim alardeia a própria inferioridade, pois confronta a vida dos outros e seus bens materiais. A inveja boa é aquela que traz em si a admiração das virtudes alheias e se localiza apenas no campo imaterial. Invejar quem estuda continuamente e trabalha com competência, se tomado como paradigma, sempre será uma atitude positiva. Tenho uma amiga, longeva, que passou – e ainda passa – a vida se aprofundando em literatura luso-brasileira. Morro de inveja dela. Outro, também longevo, há muitos anos, faz um trabalho cultural dirigido ao público, na internet, sem quaisquer fins lucrativos; mesmo instado a converter a filantropia em fonte de renda, se recusa. Outro, já falecido, falava um monte de idiomas – ao que parece, todos... Certa vez, me explicando o fenômeno, disse-me que tudo tinha começado com as aulas particulares de Latim que, já aos quinze anos de idade, ministrava aos colegas de turma objetivando ganhar uns trocados. Afirmava que, se passasse três meses numa tribo indígena da Amazônia ou da África, aprenderia a língua deles e se expressaria com o sotaque local. Não duvidem, como dele não duvidei. Afligindo aos amigos dupla pena, deixou a saudade e virou pó o seu maravilhoso dom.

As personalidades artísticas e esportivas, os bilionários – eis que milionário seja coisa do passado –, os que moram em ilhas paradisíacas, os que possuem aviões e helicópteros particulares serão sempre invejados. Mas, se lhes disser, por exemplo, que o invejado tem um ente muito querido portador de uma doença rara e letal que, inopinadamente, impõe um socorro imediato de curtíssimo prazo... Meditem a respeito de um ditado do povo indígena norte-americano: “Só andando com os sapatos dos outros é que poderíamos saber como é a vida de alguém”. Nunca se sabe o que vai na alma alheia. Os invejosos, quase sempre, desejam ter vidas bem piores do que a deles.



O seca pimenteira

Eis um personagem real, sempre de plantão e bem próximo. Pelo exercício contínuo da inveja ruim, como nesta crônica sugerido, ou fruto da colheita das próprias culpas, ocasionadas pela inércia e falta de preparo, os invejosos jogam suas cargas de energia negativas – alguns nem se apercebem disso – naquilo que eles concluem ser a felicidade e o sucesso dos outros. Não tenho como explicar o fenômeno, mas ele existe. Pode parecer um disparate, contudo, em várias culturas, há simpatias, amuletos ou talismãs contra a inveja e suas energias negativas. Vocês já repararam naquelas contas azuis que, mormente, os árabes, armênios, iranianos, gregos e turcos costumam usar em suas pulseiras e colares? É o chamado olho grego, que dizem vigiar o mau-olhado. E na Mezuzá, já repararam? Aquele pequeno rolo de pergaminho, que internamente contém passagens da Torá, afixado no umbral direito da porta de cada dependência de uma residência, estabelecimento comercial ou profissional judaico. Há quem use, para se proteger do olho gordo, galhos de arruda, pimenteiras, espadas de São Jorge, comigo-ninguém-pode, dentes de alho, sal grosso, ferraduras atrás das portas, figas, olho de boi, incenso, patuás, passes energéticos, escapulários, breves, rezas e orações de todos os tipos e religiões.

Parece brincadeira, mas diante de tantas preocupações vindas de várias culturas, a inveja deve ser tratada com seriedade. Medite a respeito de suas próprias experiências. Todos têm histórias para contar e também tenho as minhas, mas deixa isso pra lá... Mesmo tendo muitos defeitos, fui vacinado contra o mote desta crônica em tenra idade. Garanto que desse mal não padeço, até porque, quem cuida da vida dos outros desleixa a sua.

Apenas para consumo pessoal, já que nada possua de extravagante que mereça ser invejado, cultivo, sem agrotóxicos, uma pimenteira dedo de moça na minha varanda e dela tenho colhido bons frutos. Às vezes, ela cambaleia, mas depois sempre arriba...




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