Crônicas do Cotidiano

O avesso do óbvio - um feedback para certos empresários

João Carlos Lopes dos Santos


Muito esperto, mesmo

De vez em quando, fico impactado com as atitudes de certos empresários. Querer ganhar dinheiro é uma pretensão das mais justas. Quem trabalha, empreende e dá emprego, tem criatividade, tem talento, deve ganhar dinheiro, lucrar e ficar muito rico. É o cerne do capitalismo.

Não sou contra nada disso. Insurjo-me contra a cara de pau e a burrice de certos empresários, que vivem envenenando a água que bebem ou praticando uma nova modalidade de tiro ao alvo: tiros aos próprios pés. Brincam de quase desobedecer ao Código de Defesa do Consumidor e acabam por irritar o consumidor inteligente. Um dia, tenho certeza, vão colher os amargos frutos que estão cultivando.

O conto do sorteio

Quem ainda não foi comunicado, por uma simpática voz do outro lado da linha, que foi contemplado para receber gratuitamente um cartão de crédito, uma assinatura de um serviço qualquer, um semestre de um curso de inglês, de informática ou coisas que tais...

E ainda tem gente que acredita nisso. Aos afoitos, aos "anjinhos" e até aos metidos a espertos (aqueles que pensam que estão enganando o outro, mas são eles os enganados), vai aí uma advertência: ninguém abre um negócio para dar prejuízo a si, ou se prejudica para dar vantagem a outrem. A honestidade de uma casa comercial começa por propostas claras, absolutamente transparentes.

Mas vamos ao avesso do óbvio: o que vocês acham do que vem a seguir?

Os contos do desconto

Empresas que vendem todos os seus produtos, indistintamente, por R$ xx,99 e, ostensivamente, não dão o troco de R$ 0,01. No balcão, o vendedor diz: ‘custa 9,99’ e no caixa, se ouve: ‘dez reais’. Não é o valor do troco, é a cara de pau...

Curso de línguas propaga: aluno novo tem um desconto de 50%! E quando virar aluno antigo? Vai pagar a diferença, é lógico.

O conto da secretária eletrônica

A empresa telefônica paga a uma funcionária e gasta seus próprios pulsos para ligar a você e oferecer um serviço de recados telefônicos inteiramente grátis. Grátis? Vamos ver: um amigo lhe telefona, você não corre para atender e cai na secretária eletrônica da tal empresa telefônica. Aí, quem ligou para sua casa escuta: após o sinal eletrônico, haverá a cobrança do serviço – pimmm. E a máquina continua: ‘você ligou (pausadamente, bem lento...) para 0 – 1 – 0 – 1 – 0 – 1 – 0 – 1, após o sinal eletrônico, deixe o seu recado – pimm’. Isso permitirá que a empresa telefônica venha a cobrar, também, o serviço do seu amigo, ou seja, que ele seja "atendido" por uma secretária eletrônica lenta, muito lenta...

Depois, é lógico, você terá que fazer (e pagar) uma ligação para o seu amigo, correndo o risco de ocorrer o mesmo processo com você. Individualmente, isso não é nada, porém multiplicado por todos os assinantes é um projeto milionário. Com uma maquininha eletrônica eles "alugam" uma população inteira, todos trabalhando para eles encherem a burra de dinheiro. Será que eles pensam que os assinantes não estão percebendo isso? É legal, mas antipático, muito antipático.

O conto do "upgrade"

Há empresas que vendem determinado serviço, digamos, por xis reais e, DEPOIS, dizem: "o melhor da nossa empresa está no PTOM (para ter o melhor). Para ter o PTOM você pagará, apenas, um plus de três xis reais".

O conto da Assistência Técnica

Há empresas que nos deixam horas aguardando no telefone para que possamos solicitar um conserto de um defeito – ocasionado por eles ou que está na garantia da responsabilidade deles – e que nos obrigam a ouvir uma gravação da propaganda de seus produtos e, ainda, no meio desta, nos informam: ‘se você nos ligou para ser nosso novo cliente, então ligue para 0800- xx xx xx’.

Veja que coisa antipática: para reclamar dos serviços prestados por eles, você paga a ligação, é obrigado a escutar aquela cantilena dos produtos deles e, ainda, perde tempo se aporrinhando. Se for para você virar cliente, oferecem todas as mordomias, tudo será rápido e ainda eles pagam a ligação. Num anzol, o pescador sempre coloca uma apetitosa isca...

Um dia a casa cai

Consumidor brasileiro sofre muitos insultos. Eles nos chamam de burro a toda hora. Antipático, muito, muito antipático.

Aos empresários que têm visão curta e praticam tais expedientes, nunca é demais alertar: estudem outras possibilidades de negócio, porque esses que vocês estão tocando vão quebrar mais adiante. É lógico que a opinião pública vai tomando conhecimento de tais expedientes, que decerto são desvios de conduta empresarial e, por via de consequência, lesivos à reputação das empresas que os praticam.

Senhores empresários, errar é normal. Anormal será deixar de colher as lições que os erros sempre nos proporcionam. Em tudo na vida – até nos erros – há o ônus e o bônus. Perda total só ocorre quando se deixa de tirar proveito da informação contida em nossos próprios erros.

A hora do troco

E aos consumidores, o que dizer? Primeiro, aconselho a colocar a boca no trombone. Se for mal atendido, comente com os amigos. Depois, dê preferência aos serviços do concorrente que procede eticamente, porém se o estupro for inevitável, relaxe e aproveite, mas na primeira oportunidade dê o troco...

Há produtos e serviços que temos que consumir de qualquer maneira, mas todos os impérios cruéis, todas as ditaduras, todas as empresas arrogantes e burras, inevitáveis ou compulsórias, que não dão importância aos procedimentos éticos, um dia hão de desmoronar.

Esse dia sempre chegará... Vocês lembram-se das distribuidoras autorizadas dos anos 1960 a 1980, que só nos vendiam automóveis se pagássemos ágio ou colocássemos acessórios inúteis ou indesejáveis?

Uma novidade para muitos empresários: fidelidade é coisa do passado. Hoje, a empresa tem que conseguir que seus clientes sejam seus torcedores, na mais popular acepção da palavra.

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