Crônicas de Nova Ipanema

Memórias do futebol de Nova Ipanema

João Carlos Lopes dos Santos

Decerto, não sou a pessoa certa para deitar falação sobre o assunto, mormente quando se tem por perto José Antônio Gebara, Ernesto de Vasconcellos Raposo, Jorge Schultz Gonçalves, Paulo César Mescolin e demais peladeiros da ‘Confraria do Velho Amigo’ de Nova Ipanema.

A eles, de todo coração, dedico a mais absoluta e salutar inveja, nomeadamente, pela qualidade de vida que tiveram. Entre eles, destaco o invejado mor: Francisco Arrais de Lima.

A trajetória de um ‘perna-de-pau’

Abandonei a pelada cedo – ali pelos 38 anos –, depois de três contusões seguidas num curto espaço de tempo.

Inicialmente, uma distensão na coxa ao correr da sauna para o campo. Depois de curado, no mesmo trajeto, chutei um daqueles irrigadores de grama que, naquela época, ficavam semienterrados atrás do gol, onde hoje tem a quadra de futevôlei.

A terceira contusão, epílogo de uma ridícula carreira futebolística, se deve ao pior peladeiro que tivemos.

O maior de todos

A escolha do craque de todos os tempos de Nova Ipanema pode gerar controvérsias, mas que o nosso pior jogador foi o Arrais é incontroverso. Até ele concorda. Trata-se de uma unanimidade, que até o grande Nelson Rodrigues chamaria de inteligente.

Voltava da segunda contusão e pensei: não vou à sauna fazer aquele pipizinho básico, que todos os jogadores de futebol fazem antes dos jogos – resolvi aquela preliminar em casa mesmo. Fui andando com todo o cuidado até o campo.

Mal começou a pelada, a bola estava à minha mercê e nas costas do Arrais. Ele deu uma virada rápida, bem ao seu estilo, com aquela perna esticada – que desconhecia a existência do próprio joelho – e me deu uma botinada no tornozelo que, de pronto, dobrou de tamanho. Não fez por maldade, a perna dele não dobrava mesmo...

Como respeito muito terceiros avisos, mudei de esporte. Hoje, me divirto em Nova Ipanema jogando sueca e dizem que muito mal...

Como em tudo na vida tem o ônus e o bônus, o futebol do Arrais é uma referência muito importante: se ele jogou nas nossas peladas por vinte e poucos anos, qualquer morador, por mais tímido e ruim de bola que seja, poderá impunemente se aventurar...

Contam que, certa feita, um morador novo, tipo invocado, participava de uma pelada, quando esbravejou: "Orra meu, assim não dá, estou pedindo jogo há mais de 10 minutos e ninguém me   passa a bola!". Arrais, mansa e diplomaticamente, se aproximou do cara e disse: "Meu irmão, isso não é nada. Estou aqui há muitos anos e, até hoje, ninguém me passou a bola...".

Como o tempo acabou lhe cravando as garras, Arrais pendurou as chuteiras, mas ainda não se deu conta do seu talento maior de contador de ‘causos’ nordestinos e cariocas. Ele tem histórias de Campos Sales-CE, sua terra natal, de Copacabana dos anos 1960/70, de Nova Ipanema, onde se naturalizou sem perder a cidadania alencarina e, mormente, da ‘Praça da Paz Celestial’, isto mesmo, na chinesa Pequim, local onde ‘saboreou o seu doce de leite talhado mais gostoso’...

Outras histórias

Poderia ainda escrever mais alguma coisa sobre o futebol em Nova Ipanema, mas só darei foco àquilo que, com rara exceção, aconteceu até o ano de 1982.

Barbosa, o Rei da Área

Vi o Barbosa, o ‘Rei da Área’, esporadicamente jogando de zagueiro, parar um atacante de nível internacional, campeão do mundo em 1970 no México, que ainda estava em atividade, jogando limpo, na bola.

Há que se falar, também, de um memorável jogo contra Rede Globo de Televisão, quando o cidadão Raul Barbosa Sobrinho fez chover na grande área. Perguntei ao Agostinho Bottino, o que achava do Barbosa como jogador de bola. Ele me respondeu: "Ainda não morava aqui, na fase áurea do Barbosa". Para vocês verem que não estou falando aqui de um peladeiro qualquer, ele teve fase áurea...

Um goleiro e três contra-ataques

Assisti à ‘Escolinha de Nova Ipanema’ dar de 3 a 1 nos garotos da mesma idade do Clube de Regatas Flamengo, com direito a um comentário do treinador deles: com esse goleiro, não dava mesmo para ganhar... Há testemunhas oculares e auriculares. O goleiro era o meu mais velho: João Carlos Filho, com uns 15 anos. Não foi jogador federado porque goleiro não pode ter só 1,78m, mas andou treinando no Vasco por uns quatro meses... Com ele jogava no time de Nova Ipanema o Rodrigo Lângaro, artilheiro habilidoso, que, se tivesse nascido pobre, teria sido titular da Seleção Brasileira. Detectar qualidades, decerto, é o meu único talento.

Lembra-se do ‘Banha’?

Deleitei-me com o futebol do ‘Banha’, meio-campista ambidestro, que jogava descalço, com os seus 16 anos e uns 110 quilos. Morou no Edifício Marino Marini por pouco tempo e deve ter se mudado ali pelo ano de 1980. Dava o elástico do Rivelino com os dois pés. Se não fossem os assaltos noturnos à geladeira e o vício de mamar na lata de Leite Moça, garanto-lhes que chegaria à Seleção Brasileira. Jogava andando pelo meio do campo com um futebol bonito de se ver e de alta precisão. Ninguém tomava a bola dele e, com ela nos pés, botava-a onde queria. Logo que chegou, ganhou o apelido, mas levou muito tempo para ser escolhido nas peladas. Preconceituosamente, ninguém queria deixar o ‘Banha’ jogar. Um dia, por comiseração e porque o pai dele pagava condomínio, deixaram-no jogar. Daí em diante, passou a ser o primeiro escolhido no par ou ímpar...

Carpegianni

Aplaudi o morador Paulo César Carpegianni, o nosso mais humilde peladeiro. Quem realmente sabe das coisas sempre é humilde. Morou no Edifício Bernardelli, quando veio do Internacional de Porto Alegre para jogar no Flamengo. Nas peladas de Nova Ipanema, jogava pelas laterais do campo, não prendia a bola, quase sempre a passava de primeira e à feição dos companheiros, colocando-os na cara do gol.

Um dia, estava eu na arquibancada, quando o Carlos Resende me perguntou:

- Quem é aquele rapaz de tênis azul? Joga um bolão! Como bate bem na bola.

E eu procurando quem estava de tênis azul:

- Pô, Resende, esse cara é o Carpegianni...

O invicto timaço

Conversando com o Ernesto Raposo e Dílson Ferreira Neves, eles me recordaram dos ‘Jogos Abertos da Barra’.

Em 1980, formamos um time de futebol de sete jogadores, todos acima dos 30 anos, que foi campeão invicto dos sobreditos jogos, fazendo a grande final no Novo Leblon, contra o time da casa. Jogamos, ainda, contra o Barramares, Riviera, Atlântico Sul, entre outros condomínios da Barra.

O time base era: Virgílio (goleiro), Ernesto e Dílson (laterais), Manolo (central), Jorge Schultz (meio de campo/cabeça de área), Bhawany Pinto Seixas de Medeiros (meio de campo/criação) e José Alfredo Fernandes Neves (centroavante). Nesse time jogaram ainda: Wilson (hoje, morando em Belo Horizonte), que alternava no gol com o Virgílio e um atacante dos bons chamado Otto.

Ernesto cita ainda: Miltão, Jotinha, os Paulo César: Mescolin, Parkinson e Ferreira Neves, Álvaro da Veiga, Barbosa, Nelson Sadala, Geraldo Gaúcho e Gebara. Depois, vieram outros, também de alto nível, como Hamiltom Marques de Couto (é com ‘m’ mesmo...), Agostinho Antônio Bottino e Loyola, que mantiveram o excelente padrão das peladas.

O melhor cronista

Contudo, na sentida ausência do nosso Lula – José Luiz Aromatis –, que foi o maior torcedor das nossas peladas e delas seria o seu melhor cronista, passo a bola aos peladeiros de plantão, para que escrevam sobre o passado mais recente.

A propósito, que falta faz o nosso Lulinha...

 

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