Crônicas de Nova Ipanema

Ah! Que saudade da Therezinha...

João Carlos Lopes dos Santos



‘Quem ensina o que sabe flerta com a imortalidade’. Criei essa sentença, depois que a Therezinha nos deixou...


A vizinha

Crédito da foto: Família Castilho Ribeiro.

Therezinha de Jesus Gomes Castilho Ribeiro.
(Rio de Janeiro-RJ 27/04/28 - 05/08/2017).


Quem sabe há uns quinze ou mais anos, Lenita chegou com a novidade:

_ João, mudou-se para um apartamento lá de cima uma senhorinha viúva muito simpática. A encontrei conversando com a Cora, nossa vizinha, ao sair do elevador. Ela vai rezar o terço com o nosso grupo das quartas-feiras.

Foi aí que começou a sólida amizade. Depois, soube que a longeva vizinha era PROFESSORA, com todas as letras maiúsculas, das antigas, da época em que as professoras eram reverenciadas pela admiração de todos. Além desse título, que no passado, mais do que hoje, conferia prestígio a quem o ostentava, passou a vida se aprofundando em literatura luso-brasileira.

Passamos a nos encontrar nas festas, em Nova Ipanema. E eu sempre ao lado dela, literalmente a assaltar a sua vasta cultura. Soube, então, que todas as terças-feiras ela comparecia à Academia Brasileira de Letras, no Centro do Rio de Janeiro, para tomar o ‘Chá das Cinco’ na companhia dos Imortais. Não ia em busca de programa social, objetivava sim a aula semanal de cultura...

Certa feita, por estar às voltas com uma perícia sobre a cinebiografia de Carmen Miranda (Maria do Carmo Miranda da Cunha, nascida em Portugal em 09/02/1909, e falecida nos Estados Unidos da América em 05/08/1955, mas a sua última morada é aqui o Rio de Janeiro), a brasileiríssima Carmen era o meu monotema da vez e a Therezinha sabia tudo a respeito. Tinha estudado no mesmo colégio de freiras que ela, acompanhou o seu sucesso nas décadas de 1940/50 e tinha lido ‘Carmen’, de Ruy Castro, da Cia. das Letras, biografia que aconselho a você, caro leitor. Lembro-me que, no velório da Therezinha, detectei uma ironia do destino: ela e Carmen nos deixaram num triste cinco de agosto...


Ela mudou para outro edifício de Nova Ipanema

Contudo, a amizade ficou ainda mais fortalecida.

Tinha uma dama de companhia, sua fiel escudeira, Mariana, que trabalhava na casa dela havia alguns anos. Aí, eu perguntava à Mariana e aos nossos amigos comuns, quase sempre na presença da homenageada:

_ Você sabe aonde mora a Therezinha?

Ao que, de pronto, respondiam:

_ No edifício Bernardelli...

E eu retrucava, demonstrando prazer em corrigir:

_ Não! Ela mora no meu coração...


A minha professora de Português

Muita gente acredita que domino a língua portuguesa. Ledo engano! Quem se arvora em escritor, obrigatoriamente, terá que submeter seus textos a um revisor. Não àquele do computador, mas sim a um especialista. Therezinha revisou vários textos que estão no meu website. Em alguns deles, se procurar direitinho, você vai encontrá-la nas entrelinhas.

É que a língua portuguesa está cheia de arapucas... Há palavras que produzem o mesmo som, têm grafias diferentes e significados distintos. Dou-lhes só um exemplo: incipiente ou insipiente? Com ‘c’, significa principiante. Com ‘s’, significa ignorante. Está vendo como é complicada a nossa língua?

O corretor do computador não pega essas coisas, mas a Therezinha pegava... E não só pegava esses tropeços como também, a lápis – eis que não gostasse de corrigir textos no computador–, apontava o erro e, a latere, ministrava uma aula de Português, tendo como mote aquele erro. Depois de tantas aulas e já meio presunçoso, a encaminhava os textos com um recadinho:

_ Therezinha, queridona, duvido você achar um erro nessa crônica?

E ela achava...


Crédito da foto: Família Castilho Ribeiro.

Lenita e eu, em um dos aniversários da Therezinha.
Legenda: _ Sou o fã número 1 da Therezinha!


A última vez que estive com ela, dias antes do seu falecimento – por um mero acaso e sem imaginar que se tratava de uma despedida –, foi na portaria do edifício onde moro, onde ela vinha uma vez por semana, do alto dos seus 89 anos, acompanhada pela Mariana, para receber aulas de pintura. Ela estava sempre com a cabeça ocupada com alguma atividade ligada à cultura.

Acabo de escrever esta crônica e estou triste por não ter a Therezinha, à mão, para fazer as inevitáveis correções... Contudo, ela continua a morar no meu coração, só que, agora, no compartimento reservado às saudades.

Telefones e outras informações- clique aqui

VOLTAR