Acompanhando o Mercado
A filosofia das minhas fases periciais
João Carlos Lopes dos Santos
Acredito que cada perito desenvolva seu trabalho ao seu modo, conforme sua área de expertise. Lembro-lhes que a minha abrange os mercados de arte, autoral e de entretenimento. Posso estar errado, mas creio que nas outras áreas periciais deva ser, pelo menos, parecido. Contudo, longe de mim querer estabelecer paradigmas, até porque não uso trilho alheio, por gostar de abrir minhas próprias trilhas ou seguir os meus próprios rastos.
Conversa de gabinete
Muitos julgam meus laudos periciais volumosos. Concordo. Alguns, diria que são até enxundiosos. Contudo, os magistrados nunca reclamaram e até já recebi elogios. Num deles, ao receber o laudo no gabinete – com raríssimas exceções, os juízes não leem os laudos na hora em que os recebem –, me disse:
– Gosto muito dos seus laudos.
Agradeci e ele continuou:
– O último laudo que o senhor me apresentou, depois que li, pedi à minha secretária para tirar uma cópia e a levei para a minha mulher ler. Ela, também, gostou muito.
Infelizmente, não me lembro do nome, tampouco da fisionomia do magistrado. Pelo tempo decorrido, hoje, ele deve ser desembargador. Gostaria muito que ele lesse este artigo.
Desenvolvimento da fase pericial
Ao ser nomeado pelo juiz, a rigor, o assunto passa a ser o monotema da vez e as pesquisas começam imediatamente a ser desenvolvidas, muito embora sempre tenha outras fases periciais em andamento. Quando deixa de ser monotema, com certeza, é porque já tenho o laudo pericial alinhavado.
O primeiro passo é abrir um arquivo, no meu computador, com o número sequencial das minhas nomeações judiciais. Ato contínuo, telefono aos advogados e peritos assistentes técnicos, objetivando a troca de dados pessoais, abrindo, assim, um canal de comunicação entre aqueles que atuam no feito. Evito, ao máximo, conversar com os litigantes, mas atendo as ligações telefônicas de seus representantes com prazer.
O segundo passo, já tendo analisado os autos do processo, conhecendo a indicação dos peritos assistentes técnicos, o ponto controvertido e a quesitação das partes, ou seja, com a cognição pericial sob domínio, a verba honorária será requerida por meio de petição circunstanciada.
Homologada e depositada a verba à disposição do Juízo, o terceiro passo é dar ciência aos advogados e peritos assistentes técnicos das partes, via correio eletrônico ou no corpo do processo, sobre o início dos trabalhos periciais, como determina o artigo 474 do Código de Processo Civil, ocasião em que poder-se-á, também, agendar a reunião dos peritos e/ou as vistorias, se tais atos procedimentais forem necessários. É aí que começa a fase pericial, posto que, até então, rotulo os trabalhos de fase de cognição pericial.
O quarto e último passo, depois da complementação das pesquisas, que começaram lá atrás, logo após a nomeação, o laudo pericial será juntado aos autos, o que costuma acontecer com muita rapidez.
Conhecimento de causa
Gosto de participar das reuniões dos peritos – quando faço questão de contar com a presença dos advogados das partes –, com bastante segurança, conhecendo bem o imbróglio a ser dissecado.
Por isso, as pesquisas têm que ser iniciadas logo após a nomeação pelo magistrado. Só depois da fase de cognição pericial e com depósito antecipado dos honorários periciais à disposição do Juízo, se for o caso, é que os trabalhos serão iniciados, por meio de um aviso formal aos litigantes, como determina o artigo 474 do CPC.
A utilidade do arquivo da perícia
A partir da nomeação, vou compilando as matérias que saem nas mídias sobre o mote pericial, entrevisto pessoas informalmente – que não ficam sabendo do que se trata – e fotografo o mote pericial, como recentemente fotografei um busto de bronze, exposto em local com livre acesso ao público. Perdi a conta das vezes que usei, nos meus laudos, informações com que me deparei aleatoriamente. Volta e meia, exclamo: isso foi Papai do Céu que me mandou! Todos esses dados vão para o arquivo numerado da perícia, então em questão. O laudo pericial é elaborado, decerto, com essas informações, como o episódio que lhes reportarei, a seguir.
Uma passagem interessante
Em 2011, fui submetido a uma cirurgia torácica muito bem-sucedida. Depois de 24 horas no CTI – Centro de Tratamento e Terapia Intensiva –, fui levado para o quarto do hospital, onde fiquei por oito dias, com a recomendação de que não ficasse deitado o tempo todo. Pelo contrário, de imediato, seria importante ficar perambulando pelos corredores do hospital.
Pouco antes dessa internação, tinha sido nomeado para uma perícia sobre mercado autoral, nomeadamente sobre o uso de televisores em quartos de hospitais, objetivando a cobrança dos direitos autorais sobre músicas transmitidas pela TV.
Logo no meu primeiro passeio pelos corredores do hospital, encontrei uma enfermeira e travamos o seguinte diálogo:
– Será que posso conversar com os meus colegas que estão internados neste andar, a respeito de uma perícia que estou a fazer sobre o uso de televisores em quartos de hospitais? Objetivamente, preciso saber quantas horas, em média, os aparelhos de TV ficam ligados nos quartos de hospitais.
E ela, muito solícita:
– Poder, pode, não tem problema. Mas, posso lhe assegurar que os televisores ficam ligados o tempo todo, dia e noite, mesmo que ninguém preste a atenção no que nela está passando. Já cheguei à conclusão que os televisores, em quartos de hospitais, funcionam como uma espécie de companhia para aqueles que estão internados e seus acompanhantes.
A cereja do bolo
Antes de lá me internar, já tinha iniciado uma enquete a respeito daquele mote pericial e ninguém tinha me dado aquela dica útil e proveitosa. Foi ali, num corredor de hospital, que encontrei a ‘cereja do bolo’ do meu laudo pericial. Naquele exato momento, o laudo ficou alinhavado.
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