Acompanhando o Mercado

O mural ‘Guerra e Paz’ está de volta.

                                           João Carlos Lopes dos Santos

‘Guerra e Paz’, composto de dois painéis, obra de 14 metros de altura e 10 metros de largura, da lavra do mestre Candido Portinari, cuja execução terminou em 1956, temporariamente, foi repatriado. O público teve o privilégio de admirá-lo, por algum tempo e gratuitamente, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, de 22 de dezembro de 2010 a 6 de janeiro de 2011. Depois de 54 anos (1956) da sua apresentação ao público brasileiro, o mural ficou exposto no mesmo local. Em seguida, será encaminhado ao Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, para restauro. Após, o Projeto Portinari intenciona fazer uma mostra também em São Paulo, possivelmente em 2011. De lá, se planeja uma série de exposições pelo país e no exterior. Em 2013, o mural retornará à ONU, em Nova Iorque, nomeadamente na entrada da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, onde esteve desde 1957, para a alegria de quem assina esta matéria.

O porquê da alegria

É que, em 1998, quando escrevi o capítulo 20 do Manual do Mercado de Arte – hoje com edição definitivamente esgotada –, abordei o tombamento das obras de arte e falei a respeito da importância de ‘Guerra e Paz’ para o Brasil no cenário mundial.

Sem dúvida, a memória de uma nação é o fator fundamental na formação de sua identidade e deve ser preservada. Esta é a regra geral. No Capítulo 19 do MMA, já externei o que penso sobre o relacionamento do Estado com a Cultura do país. Se lá eu eximi o Estado de maiores sacrifícios com a Cultura, por coerência também o dispenso de maiores preocupações para com ela. Continuo a fazer, nesse campo, a apologia da iniciativa privada. Obviamente, não se pode deixar a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional à deriva. Tombamento é uma salvaguarda, uma medida protetora. Há que se terem leis de proteção, mas que sejam, no mínimo, inteligentes.

Portanto, sou favorável aos tombamentos, quando necessários e sensatos. No tocante às artes plásticas, também o sou. No entanto, gostaria de externar alguns pontos de vista quanto ao impedimento da saída de obras de arte para o exterior.


Os Chateaubriand

O colecionador Gilberto Chateaubriand (1925), que tem luz e méritos próprios, filho de Assis Chateaubriand (1892-1968) – criador do MASP e de seu fantástico acervo –, relatou uma discussão acontecida em 1953, envolvendo seu pai e o marechal João Batista Mascarenhas de Morais (1883-1968), à época chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e anteriormente comandante da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial. Isso foi relatado em entrevista à revista Veja, de 4 de fevereiro de 1998: "O Mascarenhas queria trasladar os ossos dos pracinhas mortos durante a Segunda Guerra da Itália para o Brasil. Chateaubriand dizia que era uma asneira, que era preciso manter a presença do Brasil no mundo.” Na mesma entrevista, pergunta-lhe a jornalista Ângela Pimenta: “Em função da falta de dinheiro, que obras de arte o senhor se arrepende de não ter comprado?” “O Abaporu, da Tarsila do Amaral”, respondeu Gilberto, “comprada pelo argentino Eduardo Costantini. Acho que não vale a pena ficar chorando sobre o leite derramado. A presença desse quadro numa coleção privada estrangeira faz lembrar que existe cultura brasileira de qualidade. É um pouco como os ossos dos pracinhas brasileiros do cemitério italiano de Pistoia. Está lá (referindo-se ao Abaporu) a presença brasileira".

Concordo tanto com o pai quanto com o filho. Seus argumentos vêm ao encontro do que penso e essa é a essência da tese que sempre defendi. A Europa tem uma história artística de mais de 2.000 anos e o Brasil nem sequer chega ter 200 anos, mesmo assim por herança europeia. Verdade seja dita, as artes plásticas brasileiras têm, ainda, reduzida expressão no exterior. Os países europeus já têm seus acervos prontos, consolidados, reconhecidos e visitados por todo mundo, e nada que eles reputem importantes e de muito valor cruza suas fronteiras.


Adeus ‘Guerra e Paz’

Agora, pelo contrário – à exceção de pinturas brasileiras até o segundo império – o que temos a fazer é incentivar as vendas para fora do país. Já imaginou se em museus importantes do mundo pudessem estar artistas brasileiros? O que lhe causaria maior emoção: ter no museu de sua cidade os ícones da arte brasileira, ou sabê-los em Paris, no Louvre? Ficaria descontente se soubesse que em todas as coleções particulares importantes do mundo há obras de artistas brasileiros? O que acha da ideia de "repatriar" o mural ‘Guerra e Paz’, que desde 1957 esteve na sede da ONU, em Nova Iorque, para colocá-lo na entrada do Congresso Nacional, em Brasília? A arte de um país só é importante quando o mundo a aprecia e, logicamente, só se pode gostar daquilo que se conhece.

Assim, vamos receber o mural visitante – a obra-prima do brasileiríssimo Portinari – e lhe desejar um bom retorno à Nova Iorque, em 2013, para que cumpra seu brilhante papel, que é mostrar a presença do Brasil e de sua arte para o mundo.

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